Quem já ouviu (ou disse) a
expressão “Bom dia a todos e a todas” ou já escreveu “deficiente visual” no
lugar de “cego”? Esses dois casos ilustram a influência do uso do que se
convencionou chamar de linguagem politicamente correta (PC). Trata-se de um
conceito de origem controversa, mas de objetivo claro: implementar uma espécie
de higiene verbal na comunicação, afastando termos que, na visão dos defensores
dessa tese, veiculariam sentido negativo, preconceituoso, machista, sexista ou
ofensivo a dado grupo, pessoa ou ato. A intenção é nobre, mas os efeitos dessa
tese sobre o signo linguístico têm se tornado cada vez mais radicais e até
deletérios.
A linguagem PC ancora-se na
tese de que as palavras carregam significados construídos e constituídos
historicamente nas relações sociais e, por isso, refletem tudo que permeia tais
relações: as diferenças, os conceitos, os preconceitos, as desigualdades etc.
Como se trata de uma higiene verbal, o PC foca somente aquilo que considera
ruim no uso do signo linguístico. Assim, na esteira do movimento feminista, os
advogados do PC argumentam que palavras do gênero gramatical masculino veiculam
linguagem sexista, com domínio do homem, quando usadas com referência geral.
Por exemplo, quem diz “Bom a dia a todos!” está se referindo somente aos homens
e excluindo as mulheres.
Por isso, segundo eles,
deve-se dizer “todos e todas”. O absurdo dessa imposição, aceita e repetida sem
reflexão, é que o pronome todos é indefinido por natureza, é genérico,
refere-se a todos os seres humanos. Ademais, o gênero gramatical não tem nada a
ver com o biológico, com macho e fêmea, tanto é que “a vítima, a testemunha, a
criatura, a pessoa” são todos femininos gramaticais com referência
generalizante (servem para macho e fêmea). Ora, se os defensores do PC fossem
justos, deveriam exigir que se usasse “a vítima e o vítimo” e assim por diante.
Afinal, que justiça é essa que não equilibra as demandas?
O radicalismo que se constata
na causa PC chega ao ponto de haver pesquisas de linguistas que utilizam o
símbolo @ para substituir a desinência de gênero gramatical masculino e
feminino. Tais pessoas escrevem, por exemplo, “Gostaria que @s alun@s
escolhessem seus pares”. Outros escrevem “aluno/a” e no decorrer do texto
continuam usando tal recurso em todos os nomes que possam ser flexionados, mas
se esquecem de que a leitura se tornará no mínimo enfadonha, pois o leitor terá
de pronunciar a cada ocorrência o mesmo nome duas vezes (uma no masculino,
outra no feminino).
Novamente, ocorre a confusão
entre gênero gramatical e sexo biológico. Outro viés da luta PC é a carga
semântica negativa que alegam existir em termos como “cego”, “anão”, “mulato”,
“preto” etc., os quais são substituídos por uma expressão mais neutra. Dessa
forma, incorporou-se ao vocabulário a predominância de “deficiente visual”
sobre “cego” e de “deficiente físico” sobre “aleijado”. E a cada período surgem
novas expressões que substituem outras, e ai de quem não as falar ou escrever,
pois será objeto de censura.
Transformar-se numa censura.
Esse é, enfim, o maior risco que o movimento PC corre. Corre-se o risco de
haver o cerceamento da liberdade de expressão, inclusive, com o linchamento
público virtual nas mídias sociais. Sírio Possenti, por exemplo, escreve que
“jornais informam que um romancista japonês anuncia que vai parar de escrever
porque a proibição atinge cada vez mais as palavras”.A higiene verbal,
portanto, não garante o respeito de fato, porque o falante pode usar o
vocabulário PC em público para preservar a sua imagem, mas no íntimo e na
intimidade não respeita de fato.
Prof. Dr. João Carlos
Rodrigues da Silva
Professor do Curso de
Pedagogia da UniAteneu
Doutor e mestre em Linguística
e especialista em Descrição da Língua Portuguesa e em Coordenação Pedagógica da
Escola Básica
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