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terça-feira, 14 de abril de 2020

ARTIGO] A linguagem politicamente correta


 
Quem já ouviu (ou disse) a expressão “Bom dia a todos e a todas” ou já escreveu “deficiente visual” no lugar de “cego”? Esses dois casos ilustram a influência do uso do que se convencionou chamar de linguagem politicamente correta (PC). Trata-se de um conceito de origem controversa, mas de objetivo claro: implementar uma espécie de higiene verbal na comunicação, afastando termos que, na visão dos defensores dessa tese, veiculariam sentido negativo, preconceituoso, machista, sexista ou ofensivo a dado grupo, pessoa ou ato. A intenção é nobre, mas os efeitos dessa tese sobre o signo linguístico têm se tornado cada vez mais radicais e até deletérios.

A linguagem PC ancora-se na tese de que as palavras carregam significados construídos e constituídos historicamente nas relações sociais e, por isso, refletem tudo que permeia tais relações: as diferenças, os conceitos, os preconceitos, as desigualdades etc. Como se trata de uma higiene verbal, o PC foca somente aquilo que considera ruim no uso do signo linguístico. Assim, na esteira do movimento feminista, os advogados do PC argumentam que palavras do gênero gramatical masculino veiculam linguagem sexista, com domínio do homem, quando usadas com referência geral. Por exemplo, quem diz “Bom a dia a todos!” está se referindo somente aos homens e excluindo as mulheres.

Por isso, segundo eles, deve-se dizer “todos e todas”. O absurdo dessa imposição, aceita e repetida sem reflexão, é que o pronome todos é indefinido por natureza, é genérico, refere-se a todos os seres humanos. Ademais, o gênero gramatical não tem nada a ver com o biológico, com macho e fêmea, tanto é que “a vítima, a testemunha, a criatura, a pessoa” são todos femininos gramaticais com referência generalizante (servem para macho e fêmea). Ora, se os defensores do PC fossem justos, deveriam exigir que se usasse “a vítima e o vítimo” e assim por diante. Afinal, que justiça é essa que não equilibra as demandas?

O radicalismo que se constata na causa PC chega ao ponto de haver pesquisas de linguistas que utilizam o símbolo @ para substituir a desinência de gênero gramatical masculino e feminino. Tais pessoas escrevem, por exemplo, “Gostaria que @s alun@s escolhessem seus pares”. Outros escrevem “aluno/a” e no decorrer do texto continuam usando tal recurso em todos os nomes que possam ser flexionados, mas se esquecem de que a leitura se tornará no mínimo enfadonha, pois o leitor terá de pronunciar a cada ocorrência o mesmo nome duas vezes (uma no masculino, outra no feminino).

Novamente, ocorre a confusão entre gênero gramatical e sexo biológico. Outro viés da luta PC é a carga semântica negativa que alegam existir em termos como “cego”, “anão”, “mulato”, “preto” etc., os quais são substituídos por uma expressão mais neutra. Dessa forma, incorporou-se ao vocabulário a predominância de “deficiente visual” sobre “cego” e de “deficiente físico” sobre “aleijado”. E a cada período surgem novas expressões que substituem outras, e ai de quem não as falar ou escrever, pois será objeto de censura.

Transformar-se numa censura. Esse é, enfim, o maior risco que o movimento PC corre. Corre-se o risco de haver o cerceamento da liberdade de expressão, inclusive, com o linchamento público virtual nas mídias sociais. Sírio Possenti, por exemplo, escreve que “jornais informam que um romancista japonês anuncia que vai parar de escrever porque a proibição atinge cada vez mais as palavras”.A higiene verbal, portanto, não garante o respeito de fato, porque o falante pode usar o vocabulário PC em público para preservar a sua imagem, mas no íntimo e na intimidade não respeita de fato.


Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva
Professor do Curso de Pedagogia da UniAteneu
Doutor e mestre em Linguística e especialista em Descrição da Língua Portuguesa e em Coordenação Pedagógica da Escola Básica


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