A exposição Memórias do Futuro em
Ruínas apresenta um olhar para o litoral cearense a partir de um recorte
anacrônico entre as Dunas desse litoral e a Praia do Futuro, em Fortaleza. A distopia
do projeto futurista é deflagrada em ruínas e fragmentos de uma arqueologia que
emerge das dunas e nos conecta a outro tempo, ainda presente. Em trabalhos de
vídeo, fotografias e instalações a Mostra redesenha, por uma espécie de
cartografia do ventos, a paisagem conhecida. Contemplada pelo edital Temporada
da Arte Cearense a exposição é fruto da pesquisa de mestrado da artista Mariana
Smith.
Exposição da artista Mariana
Smith
Abertura na quinta-feira dia 26
de outubro de 2017
No piso intermediário do Museu da
Cultura Cearense,
no Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura.
Visitação de 27 de outubro a 25
de novembro de 2017
O futuro não é senão o obsoleto
ao reverso
Vladimir Nabokov - (Entropia e os
novos monumentos de Robert Smithson)
A exposição Memórias do Futuro em
Ruínas poderia ser entendida como uma conversa com o vento atravessada por seus
gestos, seus rastros, seus movimentos. Em cada trabalho, Mariana Smith deixa-se
mover pela natureza incerta dos ventos, captando-os sem capturá-los. É pela experiência
da observação, do estar presente, do caminhar, que a artista trilha um percurso
que nos permite desvelar estruturas sutis encobertas ou moduladas pelos fortes
ventos do Ceará.
Como ponto de partida, a artista
elege duas localidades daquela região: os campos de dunas do litoral oeste do
estado, e a Praia do Futuro, ainda considerada a principal do perímetro urbano
de Fortaleza. As distâncias geográficas entre esses lugares são, então,
subtraídas a favor da construção de um olhar anacrônico tecido pelo vento que
os aproxima. Trata-se de um fazer arqueológico interessado numa temporalidade
que escape ao continuo de uma história evolutiva, abrindo frestas para pensar o
presente. Contrária à falaciosa ideia de progresso, a artista volta-se para a necessidade
de investigar os aspectos residuais de uma história oca. Diante da exigência de
deter atenção no exercício árduo de olhar para o agora, os trabalhos de Mariana
Smith provocam uma pergunta subjacente: sobre qual história estamos nos
referindo, uma vez que a cidade de Fortaleza parece desmemoriada de seu passado
e empenhada em um futuro inalcançável?
Muitas das fotografias que
compõem a exposição revelam uma cidade em abandono, em ruína, corroída pela
maresia, pelo tempo, pelos ventos. Dessas ruínas, a artista deflagra, com
acuidade, o próprio tempo que ali se esconde, invadindo as estruturas arquitetônicas
à deriva. As imagens carregam uma consciência do colapso e revelam uma cidade
que deixa seu passado ser soterrado em prol de uma projeção de futuro que nunca
chega. Nesse impasse, trava-se o embate entre as forças da natureza e a ideia
de desenvolvimento para um tal progresso imaginado. Nessa luta, movida por
paradigmas econômicos, os resultados são desfavoráveis para todos.
E é sob a égide de um imaginário coletivo
povoado pela ideia de um “país do futuro” que surge, então, o empreendimento do
bairro “Praia do Futuro” anunciado, em 1966, pela imobiliária Antônio Diogo
que, com a criação de novas avenidas, via na venda de loteamentos na região uma
grande chance de lucro. Contudo, em 1984, a imobiliária entra em falência e aquele
futuro - que já havia sido anunciado pelo jornalista Luciano Carneiro na
primeira página do Correio do Ceará de 4 de março de 1949 com a manchete “Praia
do Futuro”, colapsa.
Pelos resíduos desse abandono do
futuro, Mariana Smith deixa-se levar pelos ventos até os campos de dunas onde
recentemente foram localizados resquícios arqueológicos soterrados pelas areias
movidas pelos ventos. Numa região cuja aridez impõe ao enraizamento desafios,
descobre-se que ali onde hoje são dunas antes houvera uma comunidade, talvez
nômade, que vivera na região há aproximadamente 2 mil anos. Nesse mar de areia,
muitas narrativas se sobrepõem como num palimpsesto sem um começo e sem um fim.
Por meio de uma escuta atenta, a artista não investe esforços num
enfrentamento, apenas deixa-se estar entre os fortes ventos. O trabalho de
Mariana Smith propõe uma cumplicidade que potencializa a crítica à recorrente
ideia de progresso e seus empenhos ferozes de tudo controlar. A exemplo da
instalação de usinas de energia eólica na faixa litorânea de Barroquinha, os
ventos são vistos como recurso a ser capturado para beneficiar apenas uma
parcela bem restrita da população do país.
Memórias do Futuro em Ruínas
torna-se, portanto, uma espécie de cartografia dos ventos que nos orienta a uma
ruptura entre a exigência de manutenção de modelos econômicos tradicionais que
insistem num sistema estável de referências, e a negação necessária da certeza
para a articulação de novas exigências, significados e estratégias culturais no
presente político como prática de resistência. Como no conto A terceira margem
do rio, de Guimarães Rosa, o trabalho de Mariana Smith faz-se presença
silenciosa e incômoda ao potencializar outros enunciados capazes de recriar
tempos e espaços, uma resistência ao desalento. (De Carolina Soares)
Serviço:
MEMÓRIAS DO FUTURO EM RUÍNAS
Exposição da artista Mariana
Smith
Abertura: 26 de outubro de 2017
(Quinta)
No piso intermediário do Museu da
Cultura Cearense,
no Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura.
Visitação de 27 de outubro a 25
de novembro de 2017.
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